quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Suposições de ameaça a testemunhas e fuga do réu não justificam prisão cautelar

DECISÃO
Suposições de ameaça a testemunhas e fuga do réu não justificam prisão cautelar
A mera suposição de que o réu ameaçaria testemunhas ou o fato de ter fugido do local dos acontecimentos não justificam a prisão cautelar. A decisão é da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao conceder habeas corpus a acusado de homicídio decorrente de discussão banal.

O acusado estaria dirigindo em alta velocidade em área residencial. Ao passar pela vítima, que lavava seu veículo, foi advertido, o que causou discussão entre eles. Logo depois, o acusado teria voltado ao local, dirigindo motocicleta e armado. Ao passar pela vítima, o garupa, menor, efetuou disparos no peito do morador.

Para o juiz processante, a prisão preventiva do réu era necessária em razão das circunstâncias do crime, do perigo demonstrado pelo agente e porque já teria passagens pela polícia. Além disso, sua liberdade “permitiria” que as testemunhas “se sentissem ameaçadas”. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a ordem de prisão, acrescentando que, quando do julgamento do habeas corpus originário, o mandado ainda não tinha sido cumprido nem o réu tinha se apresentado espontaneamente.

Gradação da inocência

Para a ministra Maria Thereza de Assis Moura, a Constituição da República não fez distinção alguma entre situações ao estabelecer que ninguém poderá ser considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Por isso, a regra é a liberdade, que não pode ser afastada por força de lei, mas apenas diante da fundamentação concreta do juiz diante do caso específico.

“A necessidade de fundamentação decorre do fato de que, em se tratando de restringir uma garantia constitucional, é preciso que se conheça dos motivos que a justificam”, afirmou a relatora. “Pensar-se diferentemente seria como estabelecer uma gradação no estado de inocência presumida. Ora, é-se inocente, numa primeira abordagem, independentemente da imputação. Tal decorre da raiz da ideia-força da presunção de inocência e deflui dos limites da condição humana, a qual se ressente de imanente falibilidade”, completou.

Segundo a relatora, no caso analisado, o juiz, com o aval do TJ, apenas fixou a gravidade abstrata do delito e supôs que o réu, em liberdade, iria ameaçar testemunhas, sem demonstrar elemento concreto que justificasse a prisão cautelar. “Ao menos, nada foi indicado na decisão, que deixou, assim, de apontar circunstâncias relativas a comportamento pessoal que viessem a justificar medida restritiva”, concluiu.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Seção uniformiza entendimento sobre aplicação de privilégio em furto qualificado

DECISÃO

Seção uniformiza entendimento sobre aplicação de privilégio em furto qualificado
A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) uniformizou o entendimento de que o privilégio previsto no parágrafo 2º do artigo 155 do Código Penal é compatível com as qualificadoras do delito de furto, desde que essas sejam de ordem objetiva e que o fato delituoso não tenha maior gravidade.

O parágrafo 2º do artigo 155 do Código Penal dispõe que, se o criminoso é primário e a coisa furtada é de pequeno valor, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção e diminuí-la de um a dois terços, sendo ainda possível a aplicação de multa. No furto comum, o Código Penal prevê pena de um a quatro anos de reclusão, e no furto qualificado, de dois a oito anos e multa.

Furto qualificado de ordem objetiva é aquele que se refere ao modo com que o delito é executado, que facilita sua consumação. Segundo o parágrafo 4º do artigo 155, ocorre furto qualificado de ordem objetiva em quatro hipóteses: quando houver destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa; abuso de confiança, mediante fraude, escalada ou destreza; quando houver o uso de chave falsa; ou mediante o concurso de duas ou mais pessoas.

Nos recurso julgado pela Terceira Seção, que pacificou o entendimento sobre o tema, o réu pedia que fosse mantido o privilégio do artigo 155, parágrafo 2º, do Código Penal, reconhecido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), que converteu a pena em multa. O réu havia sido condenado em primeira instância, pela prática de furto duplamente qualificado, à pena de dois anos e sete meses de reclusão e pedia o afastamento da qualificadora.

Acompanhando o voto do relator, ministro Og Fernandes, a Terceira Seção reconheceu a incidência do referido privilégio na hipótese de furto qualificado pelo concurso de agentes, tendo em vista que o réu era primário, o objeto furtado de pequeno valor e o fato delituoso de menor gravidade.

Coordenadoria de Editoria e Imprensa

domingo, 4 de setembro de 2011

Fiança, crimes hediondos, prisão: como interpretar a nova redação do CPP A terceira e última manhã de debates do seminário “A Reforma do Código de Processo Penal”, que se realizou na Sala de Conferências do Superior Tribunal de Justiça (STJ), teve como tema “Modalidades de Prisão e a Reforma do CPP”, palestra apresentada por Antonio Scarance Fernandes, professor titular da Universidade de São Paulo.

Após as saudações do ministro Sebastião Reis Júnior, que abriu o encontro na manhã desta sexta-feira (2), o professor começou sua palestra debatendo o novo texto sobre a prisão em flagrante: ‘É importante ressaltar que a prisão em flagrante, com a reforma, se transformou em uma pré-cautela. Mas também temos a situação de prisão preventiva: a cautelar por excelência.” Scarance explicou que as alterações no código deram ao juiz, no caso do flagrante, três possibilidades de decisão: relaxamento da prisão, juízo de “cautelaridade” e conversão do flagrante em preventiva. “O fundamental é entender que o cerne da reforma é dotar o juiz de um poder cautelar maior, saindo dos extremos de deixar solto ou manter preso”, ponderou.

Scarance apontou que a possibilidade de transformar a prisão em flagrante na modalidade preventiva vem levantando muitos debates no meio jurídico. “Acredito que, nesse caso, é preciso observar todos os requisitos legais para que seja feita a conversão. Só posso admiti-la desse modo”, disse. Quanto ao inciso terceiro, que prevê a concessão de liberdade provisória com ou sem fiança, o professor advertiu: “Esse ponto é muito delicado, pois a fiança, no Brasil, não tem o prestígio que tem no Direito norte-americano, onde ela rege todo o sistema penal. O tema é fruto de intenso debate no Supremo Tribunal Federal, mas fica a pergunta: o que é a liberdade provisória depois da reforma?”

Refletindo sobre o assunto, Scarance afirmou que a discussão mais importante abrange, no caso do flagrante, a possibilidade de decidir pela liberdade provisória sem o ônus de outras medidas cautelares restritivas de direito. “Há os que pensam que sim, baseado no princípio constitucional da presunção de inocência; mas há os que dizem que não, pois quebraria o sistema. Fui do Ministério Público por 23 anos e minha linha de pesquisa é a eficiência e a garantia. Entretanto, acredito que a liberdade provisória pode, sim, vir acompanhada por algumas restrições impostas pelas medidas cautelares, como, por exemplo, o comparecimento periódico emjuízo”, observou.

Crimes hediondos

Todavia, o que fazer em relação aos crimes hediondos? “Se há a interpretação de que a liberdade provisória é sem ônus, não é cabível nem fiança nem outra medida cautelar alternativa à prisão. O tema está sendo analisado no STF. Mas acredito que o legislador, ao estabelecer o crime inafiançável, quis dar um caráter mais grave ao delito, uma ideia de que existe uma cautela maior do que a fiança. Não que é para barrar outras medidas cautelares cabíveis. Tornar a prisão preventiva obrigatória não me parece a melhor opção”, apontou Scarance.

No entendimento do professor, o ajuste necessário na legislação estaria na criação de medidas cautelares mais severas que a fiança para os crimes de maior gravidade. “Eu penso que é possível caminhar nesse sentido. Nos casos de homicídio qualificado, por exemplo, suspender a atividade econômica ou determinar o recolhimento domiciliar, além da monitoração eletrônica”, sugeriu.

Em relação à prisão preventiva, Scarance explicou que a reforma trouxe ampliação do conceito, admitindo a forma clássica, que se constitui na hipótese de o indivíduo estar solto e ser preso; a que resulta da conversão do flagrante; a que é determinada devido à dúvida acerca da identidade civil da pessoa, que não fornece meios para o devido esclarecimento; a decorrente da violência doméstica e, segundo o professor, a mais polêmica de todas: a que resulta do descumprimento das medidas cautelares alternativas.

“A prisão preventiva em decorrência da violência doméstica visa a garantir a aplicação de medida protetiva. Em relação à mulher, temos a Lei Maria da Penha. Para as crianças e adolescentes, existe amparo no ECA e, relativo aos idosos, podemos encontrar algo no Estatuto do Idoso. Porém, na questão do enfermo ou pessoa com deficiência, expressos na nova redação do CPP, há um vazio regulatório. Existem juristas entendendo que é possível estender a interpretação da lei Maria da Penha para outros membros da família, mas, na minha opinião, não é o caminho”, salientou Scarance.

O professor também debateu o recolhimento domiciliar e a prisão domiciliar. “São semelhantes na execução, mas totalmente diferentes em suas naturezas, pois o primeiro é medida cautelar alternativa à prisão e o segundo é modalidade de prisão preventiva”, argumentou. Para o professor, os incisos três e quatro do artigo 318 são os que mais dão margem a debates e resistências por parte do meio jurídico.

Diz o CPP que “poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: III – Imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de seis anos de idade ou com deficiência; IV – gestante a partir do sétimo mês de gravidez ou sendo esta de alto risco”.

“Para mim”, comentou Scarance, em relação ao primeiro inciso, “há que fazer interpretação restritiva. É preciso que não haja mesmo ninguém para cuidar dessa criança e que ela realmente demande cuidados especiais.” Quanto à hipótese de gravidez, ele afirmou que “o legislador não diz até quando essa mulher deve ficar recolhida em casa. O bebê nasce e depois? Faltou delimitação de prazos”.

Antonio Scarance finalizou a palestra destacando que a reforma, exatamente por ser nova, ainda precisa de amadurecimento: “É uma lei importante, que alterou um modo de operar o Direito que existia há muitos anos. Então, só o tempo trará as melhores interpretações.” Pensamento corroborado pelo ministro Sebastião Reis Júnior: “A reforma é um emaranhado de leis complexas. E as dúvidas não são apenas minhas, ainda bem.”