terça-feira, 16 de novembro de 2010

Cliente não deve pagar taxa de emissão de carnê


Publicada em 13/10/2010
A exigência de pagamento de taxa de emissão de carnê para quite de compra parcelada configura cobrança abusiva. Esse é o entendimento da 2ª Turma Recursal Cível ao manter decisão de primeira instância que proibia a cobrança da taxa por parte das lojas Quero-Quero.
O autor ajuizou ação na Vara Adjunta do Juizado Especial Cível da Comarca de Campo Bom após ter sido cadastrado no SPC, em razão do não pagamento da referida tarifa (R$ 1,98). Ele havia quitado apenas os valores correspondentes à compra. A atitude gerou cobrança de juros e encargos contratuais.
Em primeira instância, considerou-se que a taxa deveria ser suportada pela empresa, pois não correspondia a qualquer espécie de contraprestação ao consumidor. O entendimento seguia o art. 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor (CODECON):
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
(...)
IV – estabelecem obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem, exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.
Nesse sentido, concluiu-se que a cobrança era ilegal e, consequentemente, a inclusão do autor no SPC era indevida, bem como passível de indenização por abalo de crédito. A indenização por danos morais foi fixada em R$ 5.100.
Ainda, a sentença condenou a loja a emitir faturas sem incidência da taxa e confirmou os efeitos da liminar que determinava a retirada do nome do autor do cadastro de inadimplentes.
Recurso Inominado
Ao analisar o caso, a relatora da 2ª Turma Recursal Cível, Juíza Fernanda Carravetta Vilande, confirmou a abusividade da cobrança por se tratar de obrigação do credor. Ela ressalvou que a taxa só poderia ser repassada ao cliente se o mesmo tivesse optado pela tarifa.
Por outro lado, a magistrada entendeu que o autor não pode ser indenizado por danos morais, pois assumiu o risco de ser inscrito em cadastro restritivo de crédito ao não quitar o valor sem respaldo de decisão judicial que declarasse a abusividade da mesma, uma vez que a questão é controversa na jurisprudência.
Os Juízes Afif Jorge Simões Neto e Vivian Cristina Angonese Spengler acompanham o voto da relatora.
Recurso Inominado nº 71002641819
Fonte: TJRS - Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - 11/10/2010

terça-feira, 9 de novembro de 2010

DECISÃO


Mudança de entendimento autoriza concessão de habeas corpus que reitera pedido já negado
A mudança de entendimento jurisprudencial autoriza a concessão, de ofício, de habeas corpus que reitera pedido anteriormente negado pelo próprio órgão colegiado. A decisão é da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que afastou a prática de falta grave como causa de interrupção da contagem de prazo para benefícios de execução penal do réu.

O primeiro pedido foi julgado em fevereiro de 2009, conforme a jurisprudência predominante à época. O segundo foi extinto, por reiterar os mesmos pedidos do anterior, no mesmo mês. Dias depois, a Turma alterou seu entendimento, em apertada maioria de três a dois. Passou a prevalecer a compreensão de que “a falta grave não deve ser considerada marco interruptivo para a contagem de prazos, incluindo a progressão de regime prisional”.

Em razão disso, a defesa recorreu da extinção do segundo pedido de habeas corpus. O ministro Og Fernandes reconsiderou sua decisão, indeferiu a liminar e determinou o seguimento da ação.

Ao decidir o mérito da questão, o relator considerou esgotada a prestação jurisdicional cabível ao STJ, restando a possibilidade de novo recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF). Porém, nada impediria a concessão de habeas corpus de ofício, por ser evidente o constrangimento ilegal.

A Turma decidiu não conhecer do habeas corpus e conceder de ofício a ordem a fim de afastar a prática de falta grave como marco interruptivo da contagem dos prazos para obtenção dos benefícios da execução penal.

Coordenadoria de Editoria e Imprensa

Em Tempo

O princípio da insignificância não se confunde com o furto privilegiado. O primeiro é causa de reconhecimento de atipicidade da conduta; o segundo, uma vez admitido, resulta na redução da pena.

Furto privilegiado pode ser reconhecido, ainda que haja qualificadora do crime



A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a possibilidade de aplicação do benefício do furto privilegiado para um caso de furto qualificado (concurso de pessoas). Embora o benefício do furto privilegiado, previsto no artigo 155, parágrafo 2º, do Código Penal, não seja concedido nas hipóteses em que há qualificadora da ação, tanto o STJ como o Supremo Tribunal Federal (STF) vêm mudando esse entendimento em casos concretos. A decisão foi por maioria.

Em seu voto, a relatora do habeas corpus, ministra Laurita Vaz, lembrou julgamentos do STF nos quais esse posicionamento vem sendo adotado. “Em recentes julgados, contudo, o Supremo Tribunal Federal tem manifestado entendimento no sentido de que determinadas qualificadoras do furto, mormente as de natureza objetiva, são compatíveis com a causa de diminuição prevista no artigo 155, § 2º, do Código Penal”, diz o voto.

O habeas corpus foi ajuizado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo em favor de um acusado de tentativa de furto de objeto avaliado em R$ 84,20. O acusado teria praticado a ação em conjunto com outra pessoa (concurso de pessoas), tendo sido condenado a pena de um ano de reclusão, em regime aberto, substituída por restritiva de direitos, e ao pagamento de cinco dias-multa.

Em razão da primariedade do acusado e do pequeno valor do objeto, a Quinta Turma reconheceu a incidência do furto privilegiado e redefiniu a pena aplicada, além de estender o benefício, de ofício, ao outro acusado. Com a aplicação do furto privilegiado, a pena foi reduzida, passando para quatro meses de reclusão, em regime aberto, e pagamento de dois dias-multa, mantida a substituição por restritiva de direitos.

A redução da pena culminou com a prescrição da punição na forma superveniente. Entre a data da prolação da sentença, em 12 de julho de 2007, e o trânsito em julgado, em 28 de novembro de 2009, transcorreu prazo superior a dois anos. De acordo com o Código Penal vigente à época, fixada a pena em quatro meses, o prazo prescricional era de dois anos. Em maio de 2010, este prazo foi estendido para três anos, quando a pena for inferior a um ano.

O corréu da ação também foi beneficiado com a redução da pena e a consequente prescrição. “Concedo habeas corpus, de ofício, com extensão também ao referido corréu, para reconhecer a prescrição da pretensão punitiva estatal e declarar extinta a punibilidade quanto ao referido delito”, afirma o voto da relatora.

A ministra Laurita Vaz foi acompanhada pelo ministro Jorge Mussi e pelo desembargador convocado Honildo de Mello Castro. Os ministros Gilson Dipp e Napoleão Maia Filho votaram em sentido contrário, para que o habeas corpus fosse negado.

Coordenadoria de Editoria e Imprensa

SILENCIO DOS INOCENTES - STJ

O silêncio dos inocentes: STJ define aplicação concreta da garantia contra autoincriminação
“Você tem o direito de ficar calado. Tudo o que disser pode e será usado contra você no tribunal.” A primeira parte do “Aviso de Miranda” é bastante conhecida, pelo uso rotineiro em filmes e seriados policiais norte-americanos. Mas os mesmos preceitos são válidos no Brasil, que os elevou a princípio constitucional. É o direito ao silêncio dos acusados por crimes.

Esse conceito se consolidou na Inglaterra e servia de proteção contra perseguições religiosas pelo Estado. Segundo Carlos Henrique Haddad, até o século XVII prevalecia o sistema inquisitorial, que buscava a confissão do réu como prova máxima de culpa. A partir de 1640, no entanto, a garantia contra a autoincriminação tornou-se um direito reconhecido na “common law", disseminado a ponto de ser inserido na Constituição norte-americana décadas mais tarde. A mudança essencial foi transformar o interrogatório de meio de prova em meio de defesa – não deve visar à obtenção de confissão, mas sim dar oportunidade ao acusado de ser ouvido.

No Brasil, a previsão constitucional é expressa. Diz o inciso LXIII do artigo 5º: “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. A Convenção Americana de Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, da Organização das Nações Unidas (ONU) seguem a mesma linha.

Antes, já era reconhecido, e o Código de Processo Penal (CPP), de 1941, ainda em vigor, prevê tal proteção. Porém a abrandava, ao dispor que o juiz deveria informar ao réu que não estava obrigado a responder às perguntas, mas que seu silêncio poderia ser interpretado em prejuízo da defesa. O texto foi alterado em 2003, para fazer prevalecer o conteúdo real do princípio constitucional. Diz agora o CPP: “O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.”

Na doutrina, o princípio é chamado de “nemo tenetur se detegere” ou princípio da não autoincriminação. Diversos casos no Superior Tribunal de Justiça (STJ) definem os limites para o exercício desse direito fundamental, revelando sua essência e consequências efetivas.

Bafômetro

Um exemplo recente da aplicação do preceito diz respeito à Lei n. 11.705/08, conhecida como Lei Seca. Essa norma alterou o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) para estabelecer uma quantidade mínima e precisa de álcool no sangue a partir da qual se torna crime dirigir.

Antes, o CTB previa apenas que o motorista expusesse outros a dano potencial em razão da influência da bebida ou outras substâncias. Não previa quantidade específica, mas exigia condução anormal do veículo. “Era possível, portanto, o exame de corpo de delito indireto ou supletivo ou, ainda, a prova testemunhal, sempre, evidentemente, que impossibilitado o exame direto”, afirma o ministro Og Fernandes em decisão da Sexta Turma de junho de 2010.

Porém, recentemente, a Sexta Turma produziu precedente de que, com a nova redação, a dosagem etílica passou a integrar o tipo penal. Isto é, só se configura o delito com a quantificação objetiva da concentração de álcool no sangue – que não pode ser presumida. Agora, só os testes do bafômetro ou de sangue podem atestar a embriaguez. E o motorista, conforme o princípio constitucional, não está obrigado a produzir tais provas (HC 166.377).

Leia mais sobre a decisão: Falta de obrigatoriedade do teste do bafômetro torna sem efeito prático crime previsto na Lei Seca

Mas, é bom lembrar, o STJ não concede habeas corpus preventivo para garantir que o motorista, de forma abstrata, não seja submetido ao exame. É que só se admite o salvo-conduto antecipado em caso de lesão iminente e concreta ao direito de ir e vir do cidadão (RHC 27373). E também não reconhece o problema da submissão ao bafômetro – ou da ausência do exame – na vigência da redação anterior do CTB (HC 180128).

Mentiras sinceras

Também não se admite a produção deliberada de provas falsas para defesa de terceiros. Nesse caso, a pessoa pode incorrer em falso testemunho. É o que decidiu o STJ no HC 98.629, por exemplo.

Naquele caso, o autor de uma ação de cobrança de honorários contra um espólio apresentou como testemunha uma pessoa que afirmou ter assinado documento dois anos antes do real, para embasar a ação de cobrança. Mesmo advertido das consequências legais, a testemunha confirmou expressa e falsamente ter assinado o documento na data alegada pelo credor desleal, o que foi desmentido por perícia. Foi condenado por falso testemunho.

Não é o mesmo que ocorre com a testemunha que, legitimamente, mente para não se incriminar. Nem com seu advogado, que a orienta nesse sentido. A decisão exemplar nesse sentido foi relatada pelo ministro Hamilton Carvalhido. No HC 47125, o acusado era advogado de réu por uso de drogas, que mentiu sobre a aquisição do entorpecente em processo envolvendo um traficante. O pedido do advogado foi atendido, e o usuário foi beneficiado por habeas corpus de ofício.

Para os ministros, a conduta da testemunha que mente em juízo para não se incriminar, sem a finalidade especial de causar prejuízo a alguém ou à administração da justiça é atípica. Por isso, não poderia ser típica a do advogado que participa do suposto ilícito.

É o mesmo entendimento que se aplica a alguns “colaboradores” de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs). O STJ se alinha ao entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) e garante o direito de silenciar àquele que testemunha perante CPI sob risco de se incriminar. É o que se verificou no HC 165902, no qual se expediu salvo-conduto liminar em favor de empresário que seria ouvido na CPI da Codeplan na condição de testemunha, mas cuja empresa era investigada em inquérito perante o STJ

É também o que ocorre quando o preso em flagrante se identifica à autoridade policial com nome falso. Em julgado do STJ, o réu foi absolvido do crime de falsa identidade por ter se apresentado incorretamente e obtido soltura passageira em razão disso. A Sexta Turma considerou que o ato era decorrente apenas de seu direito à não autoincriminação, e não ofensa à ordem pública (HC 130.309). Essa tese específica está em discussão nos juizados especiais criminais, que tiveram os processos sobre esse tema suspensos pelo STJ  para uniformização de entendimento (Rcl 4.526).

Outra aplicação é impedir que o julgador leve em consideração atitudes similares para fixar, em desfavor do réu, a pena por um crime. No HC 139.535, a Quinta Turma afastou o aumento da pena aplicado por juiz contra condenado por tráfico em razão de ter escondido a droga ao transportá-la.

Entretanto, a situação é diferente quanto às perguntas de um corréu em interrogatório. Nessa hipótese, as duas Turmas penais do STJ divergem. Na Sexta Turma, prevalece o entendimento de que o corréu pode ser submetido a perguntas formuladas por outro acusado. Resguarda, porém, o direito de não as responder. Segundo entende o colegiado, nesses casos se preserva o direito à ampla defesa de ambos os acusados (HC 162.451).

Por outro lado, a Quinta Turma entende que a participação da defesa de outros acusados na formulação de perguntas ao réu coage o interrogado. “Carece de fundamento pretender-se que, no concurso de agentes, o réu devesse ficar submetido ao constrangimento de ter que responder ou até mesmo de ouvir questionamentos dos advogados dos corréus. Admitir-se esta situação, não prevista em lei, seria uma forma de, indiretamente, permitir uma transgressão às garantias individuais de cada réu e até mesmo querer introduzir, entre nós, a indução, através de advogados de correús, da autoacusação”, afirma voto do ministro Felix Fischer (HC 100.792)

Nardoni

O casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá tentou recorrer ao princípio para afastar a acusação por fraude processual no caso do homicídio pelo qual foi condenado. O pedido da defesa sustentava não poder ser autor do crime de fraude processual aquele a quem é imputado o crime que se tenta encobrir – homicídio qualificado, no caso –, já que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo.

O Ministério Público Federal (MPF) manifestou-se favorável ao pedido. Mas a Quinta Turma do STJ entendeu de forma diversa. Segundo o voto do ministro Napoleão Nunes Maia, o princípio não abrange a possibilidade de os acusados alterarem a cena do crime.

“Uma coisa é o direito a não autoincriminação. O agente de um crime não é obrigado a permanecer no local do delito, a dizer onde está a arma utilizada ou a confessar. Outra, bem diferente, todavia, é alterar a cena do crime, inovando o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, para, criando artificiosamente outra realidade ocular, induzir peritos ou o juiz a erro”, argumentou o relator.

Processo administrativo

No âmbito administrativo, quando se apura responsabilidades para aplicação de sanções, o servidor também é protegido pelo direito à não autoincriminação. É o que decidiu o STJ no RMS 14.901, que determinou a anulação da demissão de servidor. Entre outras razões, a comissão disciplinar constrangeu o servidor a prestar compromisso de só dizer a verdade nos interrogatórios.

Para a ministra Maria Thereza de Assis Moura, relatora do caso, o agir da comissão “feriu de morte essas garantias, uma vez que, na ocasião dos interrogatórios, constrangeu a servidora a falar apenas a verdade, quando, na realidade, deveria ter-lhe avisado do direito de ficar em silêncio”. “Os interrogatórios da servidora investigada, destarte, são nulos e, por isso, não poderiam subsidiar a aplicação da pena de demissão, pois deles não pode advir qualquer efeito”, completou.

Coordenadoria de Editoria e Imprensa